02/06/2021
Médica que desistiu de integrar Ministério da Saúde detona a cloroquina na CPI da Covid
BRASÍLIA, DF - Com posição notória contrária ao uso de
cloroquina e hidroxicloroquina como tratamento contra a covid-19, a médica
infectologista e epidemiologista Luana Araújo, que chegou a ser anunciada em 12
de maio pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para assumir o cargo de
secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, afirmou em depoimento à
CPI da Pandemia, nesta quarta-feira (2), ter sido informada pelo próprio
Queiroga, após dez dias de trabalho no ministério, que seu nome não teria aval
da Casa Civil. Graduada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
epidemiologista mestra em saúde pública pela Universidade Johns Hopkins, nos
Estados Unidos, a consultora em saúde pública para organizações internacionais
garantiu que não lhe foi explicado o motivo da não aprovação de seu nome
para a pasta. A médica explicou que essa secretaria faz parte de uma
estrutura e foi criada para coordenar os esforços do governo federal relativos
à pandemia, auxiliar na interlocução com estados e municípios, além de
concatenar as sociedades científicas nacionais e internacionais no suporte aos
esforços brasileiros no combate à covid-19. — A secretaria tem por objetivo maior dar agilidade e
precisão às informações sobre a pandemia para que os gestores tenham condição
de lidar melhor com o que está acontecendo. Então, a minha função e o meu
desejo naquela secretaria era que ela funcionasse como um antecipador de
problemas. Ao destacar em sua apresentação que de "ontem para
hoje" 12 grandes aviões lotados caíram no país, em referência às mortes
pela covid-19, Luana enfatizou que saúde pública é muito mais que médicos e
hospitais, e que a discussão sobre o que chamou de “pseudo tratamento precoce”
é “esdrúxula”. Ela afirmou ainda que não se pode imputar sofrimento e morte a
uma população para se alcançar a imunidade de rebanho. Luana negou ter conversado com Queiroga ou qualquer outra
pessoa no ministério sobre cloroquina e outros medicamentos. — Quando eu disse que um ano atrás nós estávamos na
vanguarda da estupidez mundial, eu infelizmente ainda mantenho isso em vários
aspectos, porque nós ainda estamos aqui discutindo uma coisa que não tem
cabimento. É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a
gente vai pular, não tem lógica — declarou ela, que, além disso, elogiou o posicionamento
do ministro Queiroga por ter atendido seu pedido de autonomia. Questionada pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros
(MDB-AL), se haveria relação entre a sua não nomeação no ministério e o seu
posicionamento contrário ao uso desses medicamentos, notoriamente defendidos
pelo presidente Jair Bolsonaro, Luana disse que, “se isso aconteceu, é
extremamente lamentável, trágico” e que há no país uma "politização
criminosa". — Eu abri mão de muitas coisas pela chance de ajudar o meu
país. Não precisava ter feito isso. Os senhores [senadores] acham que as
pessoas, de fato, que têm interesse em ajudar o país e têm competência para
fazer isso, neste momento, se sentem muito compelidas a aceitar esse desafio?
Não se sentem. Então, infelizmente, a gente está perdendo. A médica, que disse sofrer diversas ameaças, afirmou haver
estudos randomizados e controlados que mostram aumento de mortalidade com o uso
de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, e que é preciso
haver responsabilização por quem o propaga. — Quando a gente transforma isso em uma decisão pessoal
é uma coisa, quando você transforma isso numa política pública é outra. A
autonomia médica faz parte da nossa prática, mas não é licença para
experimentação. A autonomia precisa ser defendida, sim, mas ela precisa
ser defendida com base em alguns pilares: no pilar do conhecimento, da
plausibilidade teórica do uso daquela medicação, do volume de conhecimento
científico acumulado até aquele momento sobre aquele assunto, no pilar da ética
e no pilar da responsabilização. Para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a não nomeação
de Luana foi uma questão política, por ela não compactuar com o uso da
cloroquina no tratamento da covid-19. — É inacreditável que alguém formada por uma das melhores
universidades do mundo seja vetada. O ministro Queiroga disse aqui para nós que
teria autonomia para nomear quem ele quisesse. Já está provado que não é
verdade; ele mentiu aqui para a gente — declarou o presidente. O senador Marcos Rogério (DEM-RO) questionou a “histeria no
âmbito do Parlamento” sobre nomeações. — É inquestionável a qualificação técnica da doutora Luana.
Apesar da estranheza, todos sabem que em nenhum poder Executivo existem nomeações
automáticas. Nos municípios elas são feitas pelos prefeitos e nos estados e no
governo federal pela Casa Civil. Não é razoável querer criminalizar isso. Há
uma liberdade plena para nomear — afirmou. Desinformação Única infectologista em nível de secretariado no Ministério
da Saúde, ao ser questionada pelos senadores sobre declarações e atos do
presidente da República — após exibição de vídeos — que incentivam o uso da
cloroquina, o não uso da máscara, as aglomerações e as desconfianças quanto às
vacinas, Luana Araújo afirmou que, “a partir do momento em que se vulnerabiliza
a população com informações incorretas, não se pode esperar resultado
positivo”. — Eu entendo que existam consequências de determinadas
políticas públicas. Não é possível ouvir uma declaração, de quem quer que seja,
sem sofrer um impacto quase que emocional, além do racional. Como médica e
infectologista, isso me suscita a ideia de que preciso trabalhar mais. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse que a Presidência
da República é a liderança máxima e referência para aquilo que deve ser guiado
pela ciência. — Se há o contraditório entre a ciência e o Presidente da
República, que, publicamente e ostensivamente, faz essa contradição com a
ciência, nós estamos diante de uma encruzilhada, porque não dão certo as duas
coisas. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) declarou que não há
comprovação a favor ou contra o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina,
apresentando estudos que contrariam a afirmação de maior número de mortes pelo
uso desses medicamentos. Ele disse estar muito claro que a ciência está
dividida e questionou sobre a restrição na atuação dos médicos na prescrição. Para a médica, não há que se demonizar qualquer medicamento. — Medicação só tem valor quando bem indicada. Uso off
label tem que estar limitado a fatores claros. Luana afirmou que a distribuição de “kits anticovid”
aconteceu fartamente em território nacional e que, se tivessem surtido efeito,
o país não teria os atuais números de infectados e mortos. Para ela, os
gestores não agiram de má-fé, mas precisam de mais preparo. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Luis
Carlos Heinze (PP-RS) divergiram sobre informações que apontariam menor número
de casos e mortes no estado do Amapá pelo uso do protocolo cloroquina-hidroxicloroquina.
Randolfe garantiu serem dados "mentirosos", enquanto Heinze afirmou
serem oficiais. Heinze defendeu pesquisadores que recomendariam o
“tratamento precoce”, entre eles o francês Didier Raoul. A infectologista
contestou as posições desses cientistas e afirmou que o pesquisador francês
recebeu o prêmio Rusty Razor, entregue a promotores da
"pseudociência". Depoimentos
anteriores Divergências sobre o uso da cloroquina em pacientes com
covid-19, amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, também pesaram
na decisão de saída do Ministério da Saúde dos ex-titulares da pasta Luiz
Henrique Mandetta e Nelson Teich, conforme depoimentos que eles prestaram à CPI
nos dias 4 e 5 de maio, respectivamente. Teich explicou que a cloroquina é uma droga com efeitos
colaterais de risco, sem dados concretos sobre seus reais benefícios no
tratamento da covid-19, e que havia ainda preocupação com o uso
indiscriminado e indevido por parte da população. Em depoimento à CPI no dia 6 de maio, Marcelo Queiroga — que
foi reconvocado pela CPI da Pandemia e deve ser ouvido na próxima terça-feira
(8) — não respondeu se concorda ou não com o uso de cloroquina como
"tratamento precoce” contra a covid-19, mas reconheceu que o uso
indiscriminado do medicamento pode causar arritmia cardíaca. Queiroga alegou que, como integrante da Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), precisará se
manifestar futuramente sobre o assunto, após ouvir a opinião de diversas
sociedades científicas sobre o tema para se chegar em um consenso. A utilização de cloroquina como tratamento inicial foi
amplamente defendida na terça-feira (1º) na CPI pela oncologista e imunologista
Nise Hitomi Yamaguchi. Para ela, o tratamento "rápido e prematuro"
dos pacientes pode impedir que a doença evolua e não compete com as vacinas. Durante a audiência com Nise, o senador Humberto Costa
(PT-PE) lembrou que, de março de 2020 a março de 2021, foram vendidos 52
milhões de comprimidos de quatro medicamentos integrantes do chamado kit
anticovid, sendo 32 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina. Diante desses
números, segundo ele, seria esperado que houvesse menos mortes no Brasil, que
tem 2,7% da população mundial e 13% dos óbitos, caso o medicamento fosse
efetivo.
— Para mim ficou evidente que ela [Nise] foi voz
importante para essa concepção equivocada do presidente Bolsonaro, que conduziu
o Brasil para essa tragédia econômica e social — declarou Humberto. Agência
Senado, com Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
|