04/08/2021
CPI da Covid: Cornel Blanco nega pedido de propina para compra de vacinas durante jantar
BRASÍLIA, DF - Um dos personagens centrais na rede que a CPI
tem procurado desenrolar, o coronel da reserva Marcelo Blanco da Costa foi
ouvido nesta quarta-feira (4) pela CPI da Pandemia. Citado diversas vezes em
depoimentos anteriores, Blanco, que trabalhou no setor de logística do
Ministério da Saúde, participou de jantar em restaurante em Brasília onde teria
sido feita a proposta de pagamento de propina na comercialização de doses da
vacina AstraZeneca. Munido de um habeas corpus que o permite não se incriminar,
Blanco não se negou a responder às perguntas dos senadores, mas a versão da
história contada por coronel da reserva não convenceu os parlamentares que
apontaram contradições, entre elas, a negativa de que tenha havido pedido de
propina no jantar do dia 25 de fevereiro. Blanco disse ainda não ter ideia de
por que o cabo da PM Luiz Dominguetti tenha "inventado essa
história". — Estamos estarrecidos com a facilidade com que pessoas
desqualificadas adentraram ao ministério, desqualificadas em todos os sentidos,
e levadas por pessoas que tinham contatos e relações. Não foram. Não caíram do
céu. Não deram a mínima pra Pfizer, mas deram toda a atenção para o Dominguetti
— disse Omar Aziz (PSD-AM). Para o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra
(MDB-PE), "picaretas tentaram tirar vantagem do governo". — Uma série de picaretas, de oportunistas, de aproveitadores
tentaram fazer negociatas no Ministério da Saúde, mas é importante dizer que
nenhum desses picaretas conseguiu. Em todos os depoimentos que nós estamos vendo
aqui, nenhum deles vendeu nada ao Ministério da Saúde. Nenhuma dessas
tentativas se materializou — afirmou. A posição de Bezerra foi reforçada por Luis Carlos Heinze
(PP-RS), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC). Já os senadores da
oposição, como Humberto Costa (PT-PE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan
Calheiros (MDB-AL), que salientaram que a não concretização da venda
superfaturada de vacinas por esses intermediários só não ocorreu graças ao
trabalho da CPI da Pandemia, à imprensa e à denuncia do deputado Luis Miranda. Randolfe Rodrigues e Jorginho Mello estranharam o fato de o
ex-assessor do Ministério da Saúde não ter desconfiado das 400 milhões de doses
anunciadas por Dominguetti, uma vez que
havia escassez de vacinas. Em resposta, Blanco disse que “o Dominguetti” que se
apresentou para ele tinha um "discurso consistente" e que ele não
passou da “página 2” para vender as vacinas ao Ministério. E que só com o
passar do tempo se deu conta de que a oferta “não parava de pé”. Jorginho Mello
classificou a história como “barbeirada” do Ministério da Saúde. Já Randolfe
rebateu Blanco: — Não tem essa história de que ele não passou da página
dois. Não tem essa história de que não foi concretizado. O Brasil viu o cabo
Dominguetti. O Brasil viu o Reverendo Amilton. O Brasil viu o Cristiano. Veja:
pelo perfil das pessoas, ele não tinha que passar da página zero, mas ele passa
por toda a cadeia de comando do Ministério da Saúde. E tem a intermediação sua,
e o senhor tinha uma função importante no Ministério da Saúde — disse Randolfe. Perto do final da reunião, Omar Aziz (PSD-AM) questionou
Marcelo Blanco sobre uma matéria recém publicada na imprensa segundo a qual o
coronel chegou a pedir que representantes da Davati enviassem propostas diretamente
a ele, em seu e-mail pessoal. Mensagens às quais CNN teve acesso indicam que
houve tentativa do ex-assessor da Saúde de intermediar o negócio. Blanco
reforçou que nunca pediu para que encaminhassem e-mails para seu correio
pessoal. Jantar Durante a reunião da CPI, Blanco admitiu ter apresentado o
policial militar Luiz Paulo Dominguetti Pereira ao ex-diretor de Logística do
Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias e afirmou que o encontro não foi
casual, ao contrário do que afirmou Dias à CPI. O coronel da reserva informou
que soube do próprio ex-diretor de que este estaria no restaurante Vasto e
sugeriu a Dominguetti, que se encontrava na capital, para passar no local e
"solicitar uma agenda" no Ministério da Saúde. De acordo com Dominguetti, teria sido nessa ocasião, o
pedido de Roberto Dias de propina de US$ 1 para cada dose negociada na venda da
vacina AstraZeneca ao governo. Blanco disse que "não viu mal algum"
em apresentar Dominguetti a Dias, mas negou ter intermediado a negociação de
vacinas da AstraZeneca como Ministério. Além de Dias, Dominguetti e Blanco,
estava presente no jantar, segundo o militar, um amigo do Roberto Dias chamado
José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado
de Medicamentos (CMED). — Ele me pediu, na semana em que ele se encontrava em
Brasília, que ele gostaria da possibilidade de ter uma agenda oficial. Quando
eu tomei conhecimento que o Roberto estaria no Vasto, eu sugeri a ele: "Eu
te apresento e você faça o pedido da sua agenda". E assim foi feito —
disse Blanco. Ligações Em várias ocasiões, ele sustentou que conversou com
Dominguetti apenas sobre a venda de vacinas para empresas e que se limitou a
orientar os representantes da Davati sobre os ritos processuais do Ministério
da Saúde. Reforçou que Dominguetti é quem o procurava, versão contestada por
Alessandro Vieira (Cidadania-SE). O senador apresentou documentos atestando que
o coronel Blanco realizou, em apenas 30 dias, 108 ligações para Dominguetti,
sendo 64 de sua própria iniciativa. — O senhor ligava duas vezes por dia para o Dominguetti. O
senhor, com a formação que tem — formação altamente qualificada, eu pude
verificar —, foi incapaz, em 64 ligações de sua iniciativa, mais 44 de
iniciativa do Dominguetti, de compreender que era um estelionatário? — indagou
o senador. Izalci Lucas (PSDB-DF) e outros senadores questionaram a
testemunha sobre o empresário Odilon que, segundo Dominguetti, teria feito a
ponte entre ele e Blanco. Em resposta, Blanco disse desconhecer que Odilon
vendia vacinas. Possíveis crimes Após questionamento do relator, senador Renan Calheiros
(MDB-AL), sobre quanto seria o “acordo de remuneração” entre Marcelo Blanco e a
Davati, o coronel da reserva afirmou que jamais fez pedido de comissionamento
ou de vantagem à empresa. Diante da resposta, o presidente da CPI, senador Omar Aziz
Aziz (PSD-AM), afirmou de forma irônica que Blanco seria “uma boa alma’ e o
acusou de cometer o crime de advocacia administrativa. Para o parlamentar, o
ex-servidor do Ministério da Saúde tentou intermediar contratos para a venda de
vacinas à pasta. Omar mencionou uma mensagem em que o militar da reserva se
compromete a auxiliar o representante da Davati, o PM Luiz Dominguetti, em
contatos no governo. — Quando Dominguetti sai da reunião do Ministério da Saúde,
manda mensagem para Vossa Excelência. Mostra uma advocacia administrativa muito
clara para todos nós aqui. O senhor não estava negociando vacina para o
privado. Era para o Ministério da Saúde - apontou Aziz. Empresa Após deixar o Ministério da Saúde, o coronel da reserva
abriu uma empresa, a Valorem Consultoria em Gestão Empresarial, em fevereiro.
Segundo ele, a empresa seria voltada para serviços de "educação
financeira". Dias após o encontro no restaurante, Blanco alterou a finalidade
da empresa para permitir a representação de medicamentos, fato que motivou uma
série de questionamentos. Para Alessandro Vieira, a mudança de finalidade da
Valorem, ocorrida após o encontro com Dominguetti, deixa claro sua real
finalidade: intermediar a negociação da Davati com a pasta da Saúde. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) apontou a coincidência de
datas entre a saída dele do Ministério da Saúde, a criação da empresa e
aprovação da lei para venda de vacinas para entidades privadas. E afirmou, após
citar o nome de militares cujos nomes aparecem relacionados às negociações, que
a Valorem mais parece uma "associação militar com fins lucrativos". A
senadora ainda afirmou que os militares envolvidos nesse processo são
"desertores". — É uma associação militar com fins lucrativos. Acredito nas
Forças Armadas como uma instituição ilibada. Aqueles das Forças Armadas que se
comprovarem envolvidos nesse processo são desertores — reforçou, apontando para
os possíveis crimes de corrupção passiva, tráfico de influência e advocacia
administrativa. VTCLog Durante o depoimento, Blanco revelou que recebeu oferta da
VTCLog para assumir um braço da empresa no aeroporto do Galeão, no Rio de
Janeiro. Segundo Blanco, o convite foi feito no ano passado, qunado ainda estava
no Ministério da Saúde, e teria partido do “general Severo”. Segundo os senadores, trata-se do
general do Exército Roberto Severo Ramos, que ocupou a secretaria executiva da
Secretaria-Geral da Presidência em 2019. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)
classificou o convite como “muito estranho” e lembrou que a VTCLog também é
investigada pelo Tribunal de Contas da União. Blanco disse ter recusado a proposta alegando razões
pessoais e familiares. O coronel também não soube responder aos senadores a
razão de sua exoneração da pasta. A VTCLog também está sendo investigada pela
CPI por suspeita de irregularidades nos contratos de logística com o Ministério
da Saúde.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou não ter dúvidas de
que Marcelo Blanco, durante depoimento à CPI, faltou com a verdade e omitiu
fatos. O senador acrescentou que, desde o início dos trabalhos, todos agentes
que estavam no Ministério da Saúde faltaram com a verdade. Agência Senado, com Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
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