27/08/2021
Passo a Passo: Senadores detalham esquema no Ministério da Saúde para fraudar licitações
BRASÍLIA, DF - Os senadores da CPI da Pandemia apresentaram,
nesta quinta-feira (26), o passo a passo existente no Ministério da Saúde para
fraudar licitações e beneficiar a empresa Precisa Medicamentos. Apesar de o
depoente José Ricardo Santana se negar a responder a maior parte das perguntas
dos parlamentares durante seu depoimento à Comissão, ele passou à condição de
investigado diante de áudios e outros documentos que apontaram ilicitudes na
sua intermediação para venda irregular de testes e vacinas anticovid. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) e o vice-presidente da
Comissão, senador Randolfe Rodrigues, apontaram, a partir de documentos
recebidos pela CPI, os detalhes do esquema que desclassificou empresas
vencedoras de processos licitatórios para a venda de testes de covid — a Abbott
e a Bahiafarma —em benefício da Precisa. Em mensagens de posse da CPI, o ex-diretor do Departamento
de Logística (Delog) do Ministério da Saúde, Roberto Dias – chamado de Bob —
aparece como o grande responsável por possibilitar a viabilização do esquema de
fraudes dentro do ministério. Ouvido pela CPI, em 7 de julho, Dias recebeu voz
de prisão ao final de seu depoimento aos senadores. Dois grupos agiram juntos, segundo o senador Randolfe: o do
depoente, que tem familiaridade e intimidade com Dias, e o da Precisa,
representada pelo advogado Marconny Faria, pelo proprietário da empresa
Francisco Maximiano, o diretor Danilo Trento e outros nomes da empresa. Mensagem encaminhada por Maximiano a Marconny, no dia 4 de
junho de 2020, detalha o esquema. As orientações foram repassadas
posteriormente a Santana, para que ele as enviasse a Dias, que era quem iria
fazer a operação. — Bob avoca o processo que está na Dintec, pode alegar
necessidade de revisão de atos; Dintec devolve sem manifestações; Bob determina
que a análise deve ser feita nos termos do projeto básico, de acordo com a
ordem das empresas apresentadas pela área técnica que avaliou a especificação
técnica do produto; a área técnica da Dlog solicita, dos seis primeiros
classificados pela Saps, a última manifestação, datada de 6 de maio – veja os
detalhes que tinha, senhor presidente –, em até dois dias úteis improrrogáveis
e de caráter desclassificatório, a apresentação da amostra de 100 testes e os
documentos exigidos no PB para habilitação, dentre eles a DDR (Declaração do
Detentor de Regularização) do produto, que autoriza a importação de mercadorias
por terceiros. A Dlog analisa...Enfim, o último item, senhor relator: empenha e
contrata — explica Randolfe. Essa era a arquitetura da fraude em licitação que deveria
vir a ocorrer para desclassificar duas empresas que já tinham vencido o certame
licitatório e beneficiar a Precisa, segundo o vice-presidente da CPI, e que
acabou sendo inviabilizada por conta de investigação da Polícia Federal. — A própria história da corrupção do Brasil, de que se tem
notícia desde o descobrimento, talvez seja — esse documento é inédito por isso
— a primeira vez que alguém descreve o caminho do crime — expôs Renan, ao
destacar ainda que a Precisa também vendeu testes para o Distrito Federal, para
o Mato Grosso e outros Estados, assim como conseguiu firmar contratos para a
venda de preservativos ao ministério. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) destacou a entrega do teste
Livzon pela Precisa ao Governo do Distrito Federal. — Eu acredito que esse Livzon, que estava sendo devolvido no
mundo todo, deve ter sido adquirido a preço de banana, ou até mesmo adquirido
como descarte, e foi entregue exatamente ao GDF. E por isso que eu não tenho
nenhuma dúvida de que milhares de pessoas, talvez centenas aqui no DF, morreram
na expectativa de que tinham feito o teste e de que o teste tinha algum valor.
E realmente não tinha. Intermediações O senador Humberto Costa (HC) questionou Santana sobre quem
era o "senador" ao qual ele se referia em mensagem trocada com o
advogado Marconny, em 2 de junho de 2020, para tratar de 12 milhões de testes
rápidos de covid-19. Na mensagem, Santana disse que haveria uma reunião para
“desatar um nó”, por conta de o servidor chamado Eduardo Macário ter travado o
processo de aquisição dos testes. O depoente afirmou que um amigo seu se
reuniria com o “senador”, às 8h, mas ao senador Humberto assegurou não se
lembrar quem seria o referido parlamentar. Também nesse mesmo dia, lembra a senadora Simone Tebet
(MDB-MS), Santana informa a Marconny (conforme dados extraídos na transferência
de sigilo do advogado) que estaria na Delog, com Dias, e também com o coronel
Marcelo Blanco. Todos estariam aguardando alguns deputados, para “fazer o
melhor” nas negociações. Simone destacou ainda que o nome de Santana está registrado
como Secretário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na cópia
do registro da portaria de entrada do Ministério da Saúde, em 2 de junho de
2020, muito tempo após sua saída da Agência, que ocorreu em março daquele ano. — Se isso se comprovar, além de tudo, estamos falando de
falsidade ideológica — destacou Simone. Investigado O esquema para beneficiar a Precisa na venda de testes de
covid, o envolvimento de Santana em episódios de tentativas de comercialização
de vacina ao ministério, e a recusa do depoente em responder as perguntas
levaram o relator a conduzi-lo de testemunha à investigado pela Comissão. — Durante esse
período todo de funcionamento da CPI nos submetemos a isso, quase que
diariamente. Isso é um escárnio. Como relator desta Comissão, eu queria elevar
a testemunha à condição de investigado. Para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), não havia no
ministério a vontade de salvar vidas. — É uma pena que a gente tenha que ver esse tipo de
comportamento. Sabe para que eram aqueles testes? É para as pessoas não
morrerem. E vocês fraudando, vocês manipulando. Aquilo era para vocês todos se
juntarem e comprarem os testes para o povo brasileiro ser testado. O Brasil é
um dos países que menos testou covid. Sabe por quê? Por causa dessa
brincadeira; porque o valor não era o valor humano, era o valor que ia entrar
no bolso deles. Nunca foi o valor humano; nunca foi a vida; nunca foi! O senador acrescentou, ainda, que o site de jornalismo de
dados Fiquem Sabendo apontou que Santana esteve 27 vezes no Ministério da Saúde
nos últimos dois anos.
Vários senadores destacaram a importância de alguns
servidores públicos que se opuseram e dificultaram o andamento das tentativas
ilícitas de contratos a serem firmados com o Ministério da Saúde, caso de
Eduardo Macário. Agência Senado, com foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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