09/09/2021
Fux alerta Bolsonaro: não cumprir decisões judiciais é crime de responsabilidade
BRASÍLIA, DF - O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (8) que "ninguém
fechará" a Corte e que o desprezo a decisões judiciais por parte de chefe
de qualquer poder configura crime de responsabilidade. Fux fez a declaração na abertura da sessão desta quarta do
Supremo. A fala foi uma reação ao discurso do presidente Jair Bolsonaro que,
durante manifestação do 7 de Setembro nesta terça, em favor do governo e de
pautas antidemocráticas, fez ameaças golpistas e afirmou que não vai mais
cumprir decisões do ministro do STF Alexandre de Moraes. Moraes é responsável pelo inquérito que investiga o
financiamento e a organização de atos contra as instituições e a democracia.
Bolsonaro e aliados dele são investigados nesse inquérito, e Moraes chegou a
determinar a prisão de apoiadores do presidente. Em seu discurso na terça, durante a manifestação em São
Paulo, Bolsonaro defendeu o "enquadramento" de Alexandre de Moraes. “Este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua
independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Ninguém
fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, afirmou o
ministro. Fux também declarou que “ofender a honra dos Ministros,
incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do
Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais
são práticas antidemocráticas e ilícitas, que não podemos tolerar em respeito
ao juramento constitucional que fizemos ao assumir uma cadeira na Corte”. “Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa
do chefe de qualquer dos poderes, essa atitude, além de representar atentado à
democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso
Nacional”, disse Fux. Segundo ele, o Supremo "não tolerará ameaças à
autoridade de suas decisões”. Fux pediu que os brasileiros tenham atenção aos “falsos
profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem
que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas próprias
instituições". "Todos sabemos que quem promove o discurso do 'nós
contra eles' não propaga democracia, mas a política do caos. Povo brasileiro,
não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos
inimigos da nação”, afirmou. Ainda segundo o presidente do Supremo, “o verdadeiro
patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do Brasil. Pelo
contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo
consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferentes”. Ele disse que, “num ambiente político maduro,
questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da
desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas
decerto pelos recursos, que são as vias processuais próprias”. Procurador-geral Após a fala de Fux, o procurador-geral da República, Augusto
Aras, também presente à sessão do STF, afirmou, sem citar Bolsonaro, que “a voz
das instituições também é voz da liberdade” e que “discordâncias, sejam
políticas ou processuais, hão de ser tratadas respeitando o devido processo
legal e constitucional." Para Aras, os protestos de 7 de Setembro foram “uma festa
cívica com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma
ordeira pelas vias públicas do Brasil”. “Foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta,
característica do regime democrático. Após longo período em distanciamento
social, a vacinação já possibilita que manifestantes de reúnam. A voz da rua é
a voz da liberdade do povo”, disse Aras. Juristas condenam
fala de Bolsonaro Juristas ouvidos pela TV Globo e a GloboNews afirmaram que o
presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao afrontar
princípios constitucionais, como ao dizer que não vai cumprir decisões do
ministro Alexandre de Moraes. Segundo os especialistas, os atos insuflados pelo presidente
e as ameaças aos ministros do STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
afrontam diretamente a Constituição brasileira. "Não existe na gramática constitucional o enquadramento
de um ministro do Supremo Tribunal Federal nas suas decisões judiciais pela
vontade unipessoal do presidente da República que é um chefe de outro poder que
no Brasil é um chefe de estado", disse Gustavo Binenbojm, doutor em Direito
Público e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. "Então, o discurso do presidente me parece claramente
um discurso de ameaça à independência e harmonia entre os poderes. E, em
seguida, ele diz ele não cumpriria mais nenhuma decisão proferida pelo ministro
Alexandre de Moraes, que ele não existe mais pro presidente da República. Daí
que ele ameaça também descumprir decisões judiciais. Em uma e outra hipótese e
do ponto de vista jurídico constitucional, o atentado à independência e
harmonia entre os poderes e o descumprimento de decisões judiciais , configuram
em tese a prática de um crime de responsabilidade pelo presidente da
República", completou. Os juristas ouvidos destacaram o artigo 85 da Constituição:
"São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentem contra a
Constituição e, especialmente, contra: o livre exercício do Poder Legislativo,
do Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades
da Federação; o cumprimento das leis e das decisões judiciais." O ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto, recorreu a
uma expressão usada pelo próprio presidente Bolsonaro. "Não perco a oportunidade pra dizer que é do meu agrado
ouvir o presidente dizer que joga nas quatro linhas da Constituição. Acontece
que nas quatro linhas da Constituição há dois protagonistas estatais por
definição. São os que primeiro entram no campo pra jogar. Por essa ordem, o
Legislativo e o Executivo. E o terceiro que entra em campo é como árbitro, como
juiz dessa partida. E o juiz é o Poder Judiciário", afirmou. Segundo Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal tanto
decide imperativamente — de forma singular ou monocrática — com um ministro
decidindo sozinho; pela turma, em "decisão fracionária"; ou pelo
plenário. "Ora, quando essas decisões são tomadas, o que cabe ao
Poder Executivo é respeitar", disse. "As regras do jogo são essas, elas estão na
Constituição. Fugir, para usar de uma linguagem que o presidente vem usando ,
não é muito do meu agrado, mas eu vou usar dessa linguagem 'enquadrar'. Em
nenhum dispositivo da Constituição o presidente da República enquadra o Poder
Judiciário. Menos ainda o ministro do Supremo, menos ainda o Supremo como um
todo. Os ministros do Supremo e o Supremo como um todo é que podem enquadrar
membros do poder executivo. Isso está na Constituição, isso faz parte das
regras do jogo", completou. O ex-ministro do STF Celso de Mello concorda e entende que
Bolsonaro atacou a independência do Judiciário com as ameaças.
"Essa conduta de Bolsonaro revela a figura sombria de
um governante que não se envergonha de desrespeitar e vilipendiar o sentido
essencial das instituições da República. É preciso repelir, por isso mesmo, os
ensaios autocráticos e os gestos e impulsos de subversão da institucionalidade
praticados por aqueles que exercem o poder", disse Celso de Mello. G1, com foro: Reprodução/TV Globo
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