02/10/2021
MPF vai apurar suposta atuação de Michelle Bolsonaro para favorecer amigos na Caixa
BRASÍLIA, DF - A Procuradoria da República do Distrito
Federal decidiu investigar a suposta atuação da primeira-dama Michelle
Bolsonaro para favorecer empresas de amigos com empréstimos da Caixa Econômica
Federal, informou nesta sexta-feira a revista "Crusoé". A publicação obteve e-mails e documentos de indicados a
receber o financiamento. A primeira-dama teria feito gestões junto ao
presidente da Caixa, Pedro Guimarães, a fim de obter a liberação dos empréstimos
para comerciantes e pequenos empresários do setor de serviços. Um dos e-mails, de uma assessora especial da Presidência da
República, enviava à Caixa os documentos dos contemplados. “A pedido da sra. Michelle Bolsonaro e conforme conversa
telefônica entre ela e o presidente Pedro, encaminhamos os documentos dos
microempresários de Brasília que têm buscado crédito a juros baixos”, dizia a
mensagem, de maio passado. No mesmo mês, em meio à pandemia de Covid-19, pequenas
empresas em crise se queixavam da dificuldade para obter acesso a linhas de
crédito oficiais como recurso para impedir o fechamento dos negócios. De acordo com a reportagem, os empréstimos aos amigos de
Michelle Bolsonaro foram concedidos por meio do Programa Nacional de Apoio às
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), lançado pelo governo para
oferecer dinheiro com juros baixos e condições facilitadas a micro e pequenas
empresas durante a pandemia. Ainda segundo a "Crusoé", a maioria das operações
foi assinada em uma agência em Taguatinga, cidade vizinha a Brasília, depois
que a equipe do presidente da Caixa encaminhou os pedidos da primeira-dama. A TV Globo procurou o Palácio do Planalto a fim de obter a
versão do governo e aguardava resposta até a última atualização desta
reportagem. A assessoria da Caixa Econômica Federal divulgou a seguinte
nota: "A Caixa informa que a concessão de crédito para
empresas via Pronampe exige enquadramento prévio pela Receita Federal do Brasil
e rigorosa análise de riscos do banco, que ocorre mediante processo totalmente
automatizado, independente e sem interação humana. Até o momento, a Caixa
concedeu empréstimos via Pronampe para mais de 240 mil Micro e Pequenas Empresas
(MPE), todos eles obedecendo o mesmo procedimento interno." Auditores Um procedimento de rotina interno da Caixa descobriu a lista
de indicados da primeira-dama, segundo a publicação. Ao analisar os processos de concessão de empréstimos, uma
equipe de auditores do banco percebeu que algumas empresas tinham sido
indicadas por uma "PEP", sigla que quer dizer "pessoa exposta
politicamente". Segundo a "Crusoé", um dos documentos dizia:
"Cliente veio através de lista de empresas indicadas pela primeira-dama
Michele Bolsonaro ao presidente Pedro Guimarães". Outro confirmava a informação: "Direcionamos para
análise e tratativas necessárias solicitações de microempresários de Brasília
enviadas pelo gabinete da primeira-dama Michelle Bolsonaro". De acordo com a revista, ainda que não tenham sido
encontrados indícios de que os valores liberados extrapolavam os limites nem de
que as empresas beneficiadas não poderiam ser atendidas, chamou a atenção dos
auditores o caminho dos processos — de cima para baixo, contrariando as regras
e o fluxo de etapas que costumam ser obedecidas quando os pedidos são feitos
por clientes comuns, em uma agência qualquer. Beneficiários Na lista de indicados da primeira-dama que receberam
empréstimos, segundo a "Crusoé", está, a doceira Maria Amélia Campos,
dona de uma rede de confeitarias de Brasília e amiga da primeira-dama. A revista afirma que ela não apenas aprovou na Caixa um
empréstimo de R$ 518 mil, registrado em nome de uma de suas lojas, como
conseguiu que a primeira-dama intercedesse em favor de um casal de amigos, dono
de um salão na Asa Sul, em Brasília. Procurada, ela não quis se manifestar. A doceira disse à
revista "Crusoé" que evita falar da proximidade com a família do
presidente — e com a primeira-dama em particular —, que está indignada e não
tem empréstimo em nenhum lugar. Ainda de acordo com a "Crusoé", Waldemar Caetano
Filho, sócio de um salão de beleza, disse que "o contato com a
primeira-dama foi fundamental. É o famoso "QI" (quem indica). O cabeleireiro não deu resposta às tentativas de contato.
Ele disse à revista que o empréstimo foi uma parceria com a primeira-dama,
"que deu a força final". Também afirmou que precisou ir uma única vez
à Caixa e que foi fácil obter o empréstimo. Outro integrante da lista de Michelle Bolsonaro, de acordo
com a revista, é o florista Rodrigo Resende, dono de uma tradicional
floricultura de Brasília que tem a primeira-dama como cliente. Ele também não respondeu às tentativas de contato. À revista
"Crusoé", disse que não precisa disso, referindo-se à ajuda da
primeira-dama Michelle Bolsonaro. Inquérito A apuração do caso deverá ser feita no inquérito que, entre
outros pontos, investiga a suposta pressão política de Guimarães sobre a
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a fim de impedir a entidade a aderir
a um manifesto organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp). O texto pedia "harmonia e colaboração" entre os
poderes da República e foi entendido dentro do governo como um ataque ao
presidente Jair Bolsonaro. Nesta quinta-feira (30), a Febraban confirmou ao Ministério
Público Federal que Guimarães ameaçou retirar o banco da entidade se fosse
mantido o apoio ao manifesto. Repercussão O suposto favorecimento a amigos da primeira-dama teve
repercussão negativa entre parlamentares e partidos de diferentes posições
ideológicas nesta sexta. O líder da Minoria na Câmara, deputado Marcelo Freixo
(PSB-RJ), anunciou que os partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e
Rede) acionaram o Ministério Público Federal para pedir que Michelle Bolsonaro
seja investigada por tráfico de influência. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), anunciou
que pediu esclarecimentos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a
liberação dos empréstimos pela Caixa. A bancada do partido Novo na Câmara
também disse ter feito requerimento semelhante ao Ministério da Economia. "Acabamos de protocolar na Câmara pedido de explicações
ao ministro Guedes e ao presidente de Caixa sobre crédito facilitado pra
empresários amigos por intermédio de Michelle Bolsonaro. Essa família é assim,
mamata para os seus", escreveu Gleisi em uma rede social.
O partido Novo também se manifestou em rede social:
"Para o Novo, a intermediação é imoral e ilegal. Por isso, cobra do
ministério cópias dos e-mails e contratos com as empresas beneficiadas e
respostas quanto aos critérios que fundamentam a concessão de crédito". G1, com foto: José Cruz/Agência Brasil
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