01/12/2021
STF garante foro privilegiado a Flávio Bolsonaro e anula provas contra ele no caso das “rachadinhas”
BRASÍLIA, DF - A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) rejeitou nesta terça-feira (30), por 3 votos a 1, uma ação do Ministério
Público do Rio e, portanto, manteve o foro privilegiado para o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) no caso das "rachadinhas". Os ministros também decidiram anular quatro dos cinco
relatórios de movimentações financeiras de Flávio Bolsonaro que embasaram as
investigações do MP – na prática, esvaziando o inquérito. As chamadas "rachadinhas" consistem na prática de
confisco, por parlamentares, de parte dos salários de assessores de seus
gabinete. Flávio Bolsonaro chegou a ser denunciado pelo Ministério
Público do Rio sob acusação de ter enriquecido ao se apropriar de salários de
funcionários do gabinete dele, no período em que era deputado estadual. Para o MP, Flávio Bolsonaro teria participado de um desvio
de mais de R$ 6 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
(Alerj). Nesta terça, a Segunda Turma julgou dois processos
envolvendo as investigações. Na primeira parte da sessão, por 3 votos a 1, os
ministros rejeitaram uma ação do MP do Rio e mantiveram o foro privilegiado do
senador. Na sequência, pelo mesmo placar, os ministros acolheram um
pedido da defesa de Flávio e decidiram anular quatro relatórios de inteligência
do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enviados ao Ministério
Público. Foi preservada apenas a primeira comunicação entre os órgãos, com
dados básicos das operações financeiras sob suspeita. Foro privilegiado
mantido A discussão sobre a manutenção do foro privilegiado de
Flávio Bolsonaro esperava, há quase um ano e meio, pela decisão do Supremo. Em junho do ano passado, uma decisão da 3ª Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Rio reconheceu o direito de Flávio Bolsonaro ao foro
privilegiado no caso porque ele era deputado estadual à época dos fatos. Com essa decisão, o processo passou da primeira para a
segunda instância, ou seja, para o Órgão Especial do TJ. Até então, o juiz de
primeira instância Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, era o responsável
pela ação. O Ministério Público do Rio recorreu ao STF por entender que
essa decisão contrariou entendimento da Corte que restringiu o foro
privilegiado a casos que tenham relação com o mandato ou com o exercício do
cargo. Segundo os investigadores do Ministério Público do Rio
(MP-RJ), há jurisprudência em tribunais superiores definindo que o foro acaba
quando o mandato termina. E que como Flávio Bolsonaro não é mais deputado
estadual, o caso deveria ter permanecido na primeira instância. Neste mês de novembro, o Superior Tribunal de Justiça anulou
todas as decisões tomadas pela Justiça do Rio de Janeiro no início das
investigações do caso das "rachadinhas". Depois, o tribunal decidiu
que a investigação só poderá andar com uma nova denúncia. A maioria dos ministros entendeu que a ação apresentada pelo
MP do Rio era incabível porque os promotores perderam o prazo para recorrer ao
próprio TJ do Rio. Os ministros entenderam ainda que não houve a violação das
novas regras fixadas pelo Supremo porque a tese não se aplicava aos chamados mandatos
cruzados, quando um parlamentar deixa uma Casa Legislativa para exercer mandato
em outra. Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o
entendimento do TJ não violou a nova regra do foro fixada pelo Supremo. “Independente de concordarmos com a posição do TJ do Rio, o
que está em debate é se a autoridade do STF foi violada. Desde a proferida
decisão, não ficou claro o alcance da modificação da jurisprudencial”, disse. O ministro ainda apontou problemas processuais, como o fato
de o MP ter perdido o prazo para recorrer ao próprio TJ do Rio. “Ocorreu a perda do prazo para recorrer. Essa situação
processual sugere que o MP busca um caminho processual considerado ilegítimo
para reformar a decisão”. O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a restrição do
foro privilegiado fixada pelo Supremo não atinge os mandatos cruzados, como no
caso de Flávio Bolsonaro. O ministro ainda apontou problemas processuais para
que a ação do MP fosse acolhida. "Não há impedimento consolidado nessa
casa quanto aos chamados mandatos cruzados", disse. O ministro Nunes Marques concordou com os dois colegas. Já o
ministro Edson Fachin foi o único a votar para derrubar o foro de Flávio e
devolver o caso à primeira instância. Segundo Fachin, o TJ do Rio se embasou num entendimento
antigo e derrubado pelo Supremo que preservava o foro previsto na época em que
a suposta prática criminosa ocorreu. Relatórios do Coaf Os ministros ainda julgaram um pedido da defesa do
parlamentar para arquivar as investigações diante de irregularidades ao longo
das apurações, entre elas, os relatórios produzidos pelo Conselho de Controle
de Atividades Financeiras (Coaf) e compartilhados com o Ministério Público do
Rio de Janeiro. Em março, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) considerou legal o compartilhamento com o MP do Rio de Janeiro dos dados
reunidos pelo Coaf. No pedido feito ao STF, a defesa do senador afirma que houve
irregularidades na atuação do Coaf e do MP-RJ e que, por isso, todos os atos
praticados a partir dos relatórios devem, segundo a defesa, ser considerados
nulos. Os relatórios do Coaf foram a base da investigação das
rachadinhas. Mostraram indícios de que, no período em que Flávio Bolsonaro foi
deputado estadual, funcionários dele devolviam parte dos salários que recebiam. Fabricio Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, apareceu
no documento com movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão. Os relatórios também ajudaram os promotores a investigar e
identificar depósitos fracionados feitos em dinheiro vivo na conta de Flávio
Bolsonaro e ainda uma série de transações imobiliárias suspeitas do senador. Relator, o ministro Gilmar Mendes afirmou que houve
irregularidade na elaboração dos relatórios do Coaf, sendo que o Ministério
Público teria solicitados dados após receber o primeiro relatório, o que é
proibido. Gilmar disse que houve uma investigação disfarçada. Sendo que o
Tribunal de Justiça deveria ter sido comunicado pelo MP sobre a apuração em
andamento. “Entendo que a formação dos RIFs [relatórios do Coaf] se deu
em desacordo com as balizas fixadas pelo Supremo. A primeira razão de nulidade
está relacionada que a produção de RIFs por intercâmbio ter ocorrido sem ter
sido instaurada formalmente em face do paciente qualquer investigação
preliminar”, afirmou. Lewandowski concordou com o relator e disse que a lei não
admite relatório por encomenda. "Foram produzidos sob encomenda, antes da prévia
formalização da investigação do paciente [Flávio]. Esse procedimento foi levado
e desenvolvido ao arrepio das regras e requisitos estabelecidos pelo Supremo”. Edson Fachin voltou a divergir dos colegas e considerou
legais os relatórios.
"Também me parece acertada a conclusão do Superior
Tribunal de Justiça de que, em verdade, 'da mensagem de e-mail supostamente
ilegal, afere-se que retratava comunicação interna do próprio Ministério
Público'". g1, com foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
|