27/01/2022

Moraes determina que Bolsonaro preste depoimento nesta sexta na PF sobre vazamento de inquérito



BRASÍLIA, DF - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quinta-feira (27) que a Polícia Federal colha, até esta sexta (28), o depoimento de Jair Bolsonaro no inquérito que apura o vazamento de documentos sigilosos em uma transmissão do presidente em redes sociais. 

Moraes negou um pedido de Bolsonaro para abrir mão de ser ouvido na investigação, e definiu que o depoimento deve ser prestado no início da tarde, na Superintendência da PF em Brasília. 

O ministro também retirou o sigilo da investigação e ordenou que, após o interrogatório, a PF conclua o inquérito. 

A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por representar o governo na Justiça, foi intimada da decisão. O g1 pediu posicionamento do Palácio do Planalto e aguarda retorno. 

Em decisão de 2021, o ministro do STF já havia estabelecido que a PF tinha até esta sexta-feira para ouvir Jair Bolsonaro no inquérito. Até a tarde desta quinta – penúltimo dia do prazo –, no entanto, o depoimento ainda não tinha sido agendado. 

O inquérito foi aberto para investigação a divulgação feita por Jair Bolsonaro, em redes sociais, de dados e documentos sigilosos de um inquérito não concluído sobre ataques ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral. 

O presidente da República chegou a publicar um link com a íntegra do inquérito sigiloso, que a PF não tinha sequer concluído. O inquérito vazado diz que um hacker teve acesso ao código-fonte da urnas eletrônicas em 2018 – o que não gerou qualquer consequência, porque não possibilitou alterar a votação. 

Pedido de Bolsonaro negado 

O pedido de Bolsonaro para não depor foi apresentado nesta quinta-feira (27) ao STF pela Advocacia-Geral da União. No documento, a AGU diz que foi surpreendida com o que considerou "vazamento de informação sensível" – em referência à data limite para o depoimento do presidente. 

Na decisão, o ministro relatou que, no fim de novembro do ano passado, atendeu a um pedido da Polícia Federal e determinou que o presidente fosse ouvido em 15 dias, sendo que Bolsonaro teria a oportunidade de acertar local, dia e hora. 

Moraes afirmou ainda que o presidente tomou ciência da decisão, concordou com a oitiva e pediu prazo adicional de 60 dias para a realização. 

À época, segundo o ministro, Bolsonaro alegou que "a agenda presidencial, mormente neste período de final de ano, lhe impõe série de compromissos alguns deles em agendas externas que dificultam sobremaneira a sinalização de dia e hora no exíguo lapso ofertado pela Senhora Delegada de Polícia Federal". 

O relator, então, determinou a prorrogação do prazo para o depoimento - concedeu mais 45 dias para o procedimento, com o prazo se encerrando nesta sexta-feira (28). 

"Ocorre, entretanto, que no dia anterior ao vencimento do prazo de 60 (sessenta dias) para que o Presidente da República indicasse local, dia e horário para a realização de sua oitiva, a AGU protocolou nova petição, onde, alterando anterior posicionamento do investigado, deixará não só de indicar local, dia e horário para sua oitiva, mas também de realizar o interrogatório", afirmou o ministro. 

A decisão de Moraes 

Na decisão, Moraes afirmou que a participação de investigado no inquérito “não é apenas um meio de assegurar que os fatos relevantes sejam trazidos à tona e os argumentos pertinentes considerados”. 

Segundo o ministro, o depoimento é importante para o próprio investigado e representa respeito e a consideração que qualquer cidadão merece. 

“Em uma República, o investigado – qualquer que seja ele – está normalmente sujeito ao alcance dos poderes compulsórios do Estado necessários para assegurar a confiabilidade da evidência, podendo, se preciso, submeter-se à busca de sua pessoa ou propriedade, dar suas impressões digitais quando autorizado em lei e ser intimado para interrogatório”, escreveu. 

Moraes disse ainda que o “respeito às garantias fundamentais não deve ser interpretado para limitar indevidamente o dever estatal de exercer a investigação e a persecução criminal, função de natureza essencial e que visa a garantir, também, o direito fundamental à probidade e segurança de todos os cidadãos”. 

Para o ministro, o direito ao silêncio de um investigado não assegura a recusa de prestar depoimento. 

“A Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o "direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais" ao investigado ou réu, ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderão ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal, máxime quando já definidos ou aceitos pela defesa, como na presente hipótese em que, inclusive, houve concordância do acusado em participar do ato procedimental e solicitação de dilação de prazo para agendamento e oportunidade para o presidente da República exercer real, efetiva e concretamente seu direito de defesa, como fator legitimador do processo penal em busca da verdade real e esclarecimento de importantes fatos”. 

Vazamento e distorção 

O inquérito cujo conteúdo foi divulgado pelo presidente ainda não foi concluído pela PF. Por lei, o servidor público tem obrigação de proteger informações sigilosas. 

Bolsonaro foi intimado a prestar depoimento presencial. Essa deve ser uma das últimas etapas da investigação. A PF já ouviu o deputado Filipe Barros (PSL-PR), que teve acesso ao material e participou da live com Bolsonaro. Também já foi ouvido o delegado que cuidava da apuração sobre o ataque ao TSE. 

As informações da apuração foram distorcidas por Bolsonaro e o deputado, e tratadas como definitivas, mesmo sem a conclusão do inquérito pela polícia. 

Em seguida, Jair Bolsonaro publicou em rede social a íntegra do inquérito, que até então estava em sigilo. Horas depois da transmissão, o TSE divulgou resposta para esclarecer que o acesso indevido aos sistemas da corte não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018. 

Isso porque, explicou o tribunal, o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação e que nada de anormal ocorreu. 

Acesso aos dados 

Na manifestação enviada ao Supremo, ao pedir o arquivamento do inquérito, a AGU explicou como foi acesso de Bolsonaro ao inquérito sigiloso sobre o ataque ao TSE e afirma que a conduta do delegado do caso levou a erro o presidente e o deputado Filipe Barros, que participou da live com o presidente. 

Segundo a AGU, Filipe Barros enviou ofício à PF em 14 de julho do ano passado pedindo para ter acesso ao material da investigação e dizendo que “com expressa ressalva de que deveriam ser apartados do compartilhamento eventuais dados sigilosos ou cuja divulgação pudesse fragilizar o impulso investigativo”. 

O governo afirma que no dia 26 de julho, o delegado enviou a íntegra do inquérito e sem “a contextualização de qualquer óbice para o seu aproveitamento e ampla divulgação, seja no âmbito da Comissão Parlamentar ou em qualquer outra esfera”. 

O documento cita trechos do depoimento do delegado Victor Campos, apontando que essa investigação não estava sob segredo de Justiça. 

Para a AGU, isso mostra que Bolsonaro não divulgou dados sigilosos – e que, portanto, não ficaria configurado crime. “É cristalina a compreensão de que se está diante de conduta manifestamente atípica por parte do Senhor Presidente da República, na medida em que não divulgou documentos agasalhados pelo timbre do sigilo”. 

Segundo o governo, não há distinção entre divulgar o inquérito em uma comissão da Câmara ou na live do presidente. 

“Não há distinção ontológica entre a publicidade em live ou aquela levada a efeito na Comissão Parlamentar da Câmara dos Deputados, locus que é a Casa do povo e, nessa dimensão, por corolário lógico, os temas nela versados são de interesse e acesso a toda sociedade, que é destinatária direta de todos os elementos que digam respeito à proposição legislativa, sem sigilo ou restrição de acesso, o que pode ocorrer através de seus representantes (membros da Comissão) ou por acompanhamento do interessado das rodadas de debate”. 

A AGU disse que, para efeitos de diálogo, na hipótese de se admitir que os documentos eram sigilosos, o que não ocorre, a conduta da Polícia Federal induziu em erro o deputado Federal Filipe Barros, destinatário de cópia dos autos, e o presidente da República, que, neste caso, estariam incorrendo em erro sobre elemento constitutivo do tipo legal, o que excluiria o dolo, autorizando, noutro giro, a apuração do crime cometido pelo terceiro que determinou”. 

O governo aponta ainda que “não havia sigilo, segredo de justiça, diligência em andamento ou tampouco prejuízo aos rumos da investigação”. 

A AGU diz, no documento ao STF, que a renúncia ao depoimento não representa uma afronta, mas o exercício de um direito. 

“Destaque-se que o declínio de participação em oitiva no âmbito da Polícia Federal não pretende trazer à esfera do interessado qualquer nível de ingerência ou gestão sobre a designação de atos administrativos por parte da Polícia Federal (que, no particular, nada impôs, apenas oportunizou, como já esclarecido), mas tão-somente exortar a escolha subjetiva e individual pelo exercício do direito constitucional e convencional de não comparecer ao ato de oitiva na investigação, com delimitação apriorística do entendimento de que nada há a agregar, por parte do peticionário, nos autos do Inquérito, para além do quanto contido nessa manifestação”. 

O governo pediu que o STF acionasse a Procuradoria-Geral da República para investigar o vazamento da data limite para depoimento do presidente.

g1, com foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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