06/04/2022
No Senado, prefeitos confirmam pedido de propina de pastores para receber verbas do Ministério da Educação
BRASÍLIA, DF - Três prefeitos confirmaram denúncias de
corrupção na gestão de Milton Ribeiro no Ministério da Educação (MEC), em
oitiva nesta terça-feira (5) na Comissão de Educação (CE) do Senado. Eles
afirmaram ter recebido de dois pastores evangélicos pedidos de propina para
facilitar a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Dois prefeitos do Maranhão, cujos municípios receberam
recursos para obras de creches e escolas, admitiram ter tido contato com os
pastores acusados de tráfico de influência, mas garantiram não ter recebido
pedido de propina. As denúncias, que surgiram na imprensa em março, levaram à
queda de Milton Ribeiro, no último dia 28. Os depoimentos dos pastores Arilton
Moura e Gilmar Santos (e do presidente do FNDE, Marcelo Pontes) na CE estão
previstos para reunião marcada para a quinta-feira (7), às 9h. Convidado a
depor à comissão na semana passada, Milton Ribeiro não compareceu nem
justificou sua ausência. Confirmaram as denúncias de corrupção os prefeitos Gilberto
Braga, de Luís Domingues (MA); José Manoel de Souza, de Boa Esperança do Sul
(SP); e Kelton Pinheiro, de Bonfinópolis (GO). Negaram ter recebido pedidos de
propina Calvet Filho, prefeito de Rosário (MA), e Hélder Aragão, de Anajatuba
(MA). O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do
requerimento convidando os prefeitos, qualificou o esquema de corrupção de
"chinfrim", "cínico", "nojento" e
"vulgar". Ele louvou a "coragem" dos prefeitos que vieram a
público relatar as conversas que tiveram com os pastores. Randolfe voltou a
aventar a possibilidade de criação de uma comissão parlamentar de inquérito
para investigar o caso. O presidente da comissão, senador Marcelo Castro (MDB-PI),
apontou descumprimento "do estatuto do FNDE, de decisões do Tribunal de
Contas da União, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de
Responsabilidade Fiscal". Estranhou o fracionamento dos empenhos do FNDE,
em valores muito inferiores ao necessário para a conclusão das obras. E
observou que os prefeitos que denunciaram corrupção ficaram sem verba alguma. — Todos os prefeitos que disseram que não aceitaram dar
propina não tiveram nenhum recurso público empenhado. Todos os que tiveram
recurso empenhado negam que tenham dado propina — concluiu Marcelo. Quilo de ouro Os três prefeitos que confirmaram as denúncias relataram um
modus operandi parecido: em almoços depois de reuniões no ministério para
tratar de demandas de reforma e construção de creches e escolas, um dos
pastores os abordava pedindo propina em troca do destravamento da verba do
FNDE. Gilberto Braga disse que foi achacado em almoço com outras
duas dezenas de prefeitos, em um restaurante da Vila Planalto, bairro vizinho à
Esplanada dos Ministérios. — O pastor Arilton me disse: "Você vai me arrumar R$ 15
mil para protocolar suas demandas; depois que o recurso já estiver empenhado,
como a sua região é de mineração, vai me trazer um quilo de ouro". Eu não
disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa — contou Braga. Kelton Pinheiro afirmou ter ficado "com ânsia de
vômito, sem chão" ao ter sido abordado pelo pastor Arilton no mesmo
restaurante, em outra data: — Ele disse: "Vi que seu ofício está pedindo a escola.
Deve custar uns R$ 7 milhões. Mas eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje,
porque esse negócio de 'para depois' não cola comigo, não. E é R$ 15 mil porque
você está com o pastor Gilmar, porque dos outros cobrei R$ 30 mil, R$ 40
mil" — relatou Pinheiro, segundo quem o pastor pediu ainda a compra de mil
Bíblias a R$ 50 por unidade. José Manoel de Souza disse que recebeu a proposta de Arilton
em um almoço em um hotel de Brasília. — Ele falou: "O Brasil é muito grande. Não dá para
ajudar todos os municípios. Mas eu consigo te ajudar com uma escola
profissionalizante. Eu chamo a Nely [suposta assessora informal], faço um
ofício agora, você assina e em contrapartida deposita R$ 40 mil na conta da
igreja evangélica." Bati nas costas dele e disse: "Pastor, muito
obrigado, mas não é desse jeito que funciona." Casa do ministro Calvet Filho, de Rosário (MA), encontrou-se com o próprio
ministro Milton Ribeiro na residência deste. Segundo o prefeito, contou com a
ajuda de um consultor de Brasília chamado "Jorge, da JG Consultoria",
para marcar essa reunião fora da agenda oficial. — Quem preparou o café para mim e minha esposa foi o próprio
ministro. Em momento nenhum ele me pediu propina — garantiu. O senador Marcelo Castro enxergou uma contradição de valores
na fala de Calvet. O prefeito de Rosário chegou a falar em R$ 8 milhões do FNDE
liberados para obras em seu município, mas o presidente da CE estimou que uma
escola nova não sai menos de R$ 5 milhões. Após consultar sua assessoria,
Calvet reconheceu o erro e disse que o valor total estaria mais próximo dos R$
15 milhões. A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) espantou-se com o êxito de
Rosário, pois, segundo o estatuto do FNDE, não se pode liberar recursos para
obras novas quando há outras, paradas, no mesmo município. Calvet também disse que só tratou de "assuntos
missionários" com os pastores Gilmar e Arilton, e que Gilmar Santos irá em
breve a Rosário como parte da pregação da associação evangélica Gideões. Hélder Aragão, de Anajatuba (MA), admitiu que seu município recebeu
quatro empenhos para "duas escolas e duas creches", e que conheceu o
pastor Arilton em uma reunião no MEC. — Em nenhum momento o pastor me pediu nada. Há mais de 30
anos não se constrói uma escola na sede do município. Eu fui sozinho ao FNDE e
juntamente com os técnicos falei de todas as demandas — explicou, em resposta
ao senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Ônibus escolares
Durante a reunião, o senador Marcelo Castro anunciou o
cancelamento, pelo Tribunal de Contas da União, de um pregão do FNDE para a
compra de mais de 3 mil ônibus escolares para a rede pública em zona rural. Há
suspeita de sobrepreço no valor previsto para a compra — R$ 480 mil por
unidade, ante uma estimativa de que cada ônibus custe R$ 270 mil no mercado. Agência
Senado, com foto: Geraldo Magela
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