15/07/2022
Fonoaudióloga suspeita de torturar crianças autistas em clínica xingava pacientes em mensagens para amiga
SÃO PAULO, SP - Prints de conversas mostram que a fonoaudióloga
suspeita de torturar crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em sua
clínica particular em Duartina, no interior de SP, teria xingado os pacientes
em mensagens. As imagens fazem parte de denúncias de várias mulheres cujos
filhos foram atendidos por Bianca Rodrigues Lopes Gonçalves. Nenhuma das três
mães ouvidas pela reportagem será identificada (leia depoimentos abaixo). Nos registros obtidos pelo g1, supostamente a fonoaudióloga
teria ofendido as crianças e ainda tenta forjar os atendimentos. "Dá uma disfarçada, sabe, finge que eu tô
atendendo" e "Eu não vou à tarde para a clínica amiga, inventei para
a [nome] que tenho reunião". Essas são algumas frases em conversas
apresentadas, segundo as mães. O g1 também conversou com uma ex-funcionária, que teria
registrado imagens, áudio e vídeos das crianças durante o atendimento. O
material foi encaminhado à polícia. Contratada como acompanhante terapêutica de um dos meninos
atendidos, a mulher disse que a fonoaudióloga a instruía a supostamente forjar
os atendimentos não realizados nas agendas das crianças. Além disso, segundo ela, a profissional teria mantido
pacientes trancados em uma sala específica chamada de "sala de luz".
Ela ainda afirmou que optou por formalizar a denúncia quando viu um menino
receber um tapa. Segundo os relatos, as conversas seriam de agosto de 2021. O delegado Paulo Calil disse que as filmagens feitas no
aparelho foram encaminhadas para a perícia. O delegado disse que apura o crime
de tortura. O que diz a defesa da
fonoaudióloga Em nota, a defesa da fonoaudióloga informou que colabora com
as investigações policiais. Além disso, afirmou que a família teve de sair da
casa com medo de represálias. "A defesa aguarda o laudo dos vídeos e colabora com as
investigações. Sobre os prints, a defesa não irá se manifestar para preservar
as partes envolvidas e por entender que o processo irá tramitar em segredo de
Justiça.", disse a defesa por telefone. Denúncia A ex-funcionária contratada como acompanhante de um dos
meninos contou ao g1 que ficou abalada psicologicamente. "As crianças não estavam tendo atendimento. A
fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo, e eu
estou cursando a psicologia, ainda não tenho esse repertório de fazer o
tratamento adequado", garante. "Quando presenciei a olho nu, eu falei para a minha
chefe, a que havia me contratado como acompanhante, que não queria trabalhar
mais lá. Ainda fiquei na clínica quase um mês para registrar esses momentos. O
que eu presenciei nunca vou tirar da cabeça. Não tem sentimento pior. Fiz tudo
pelas crianças", finaliza. As mães que denunciaram à polícia as supostas agressões e
torturas contra as crianças revelaram como suspeitaram das situações. Uma delas ouvidas pelo g1 afirma que suspeitou do
comportamento alterado do filho, de dois anos, após as consultas com a
fonoaudióloga da clínica, que começaram no dia 8 de junho de 2021. Na época, ela procurou atendimento quando percebeu que o
menino não desenvolveu a fala, além de se alimentar apenas com comidas
específicas. Depois de levar o filho à consulta, foi recomendado pela
fonoaudióloga, segundo a mãe, que levasse o menino a um neurologista
pediátrico. Assim foi feito em 15 de junho de 2021, e o menino foi
diagnosticado com TEA em grau leve para moderado pelo neurologista, também particular.
A partir daí, a mulher começou a levar o filho a consultas regulares com a
fonoaudióloga para que o acompanhamento fosse iniciado. "Toda sexta-feira, meu filho ia à terapia com a
fonoaudióloga e com a terapeuta ocupacional. Nós não tínhamos acesso às
terapias, eram reservadas. Nesse tempo, não observamos nada de anormal",
conta. Em paralelo a isso, a mulher explicou que foi orientada a
levar o filho à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Garça
(SP), em julho de 2021. No local, ele também começou a ser acompanhado por
fonoaudiólogas, psicólogas e terapeutas ocupacionais. Pela Apae trabalhar com outro método de acompanhamento que
não o ABA (Análise de Comportamento Aplicada - em português), como utilizado
previamente pela fonoaudióloga da clínica particular, os profissionais
recomendaram que a mãe escolhesse um dos locais para tratamento do filho, a fim
de não confundi-lo. "Quando ele entrou na Apae, eu percebi um avanço muito
grande. Antes, ele não conseguia lidar com nada, mas melhorou o lado sensorial.
Ele ainda não é 100% verbal, não entendemos muita coisa, mas tem melhorado
muito. Ele já fala 'mamãe' e 'papai', por exemplo", recorda. As profissionais da Apae emitiram um relatório, encaminhado
ao g1 pela mãe, com apontamentos de melhora no tato, no sensorial e,
principalmente, na fala. Inclusive, a mãe conta que eles chegaram a cogitar uma nova
consulta com outro neurologista para comprovar o diagnóstico de TEA, já que
poderiam ter diagnosticado o estereotipismo de autista de forma precipitada. Dessa vez, em consulta com uma neurologista pediátrica da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi levantada a hipótese de ser apenas
um atraso de fala, com recomendação de que o paciente continuasse o atendimento
periódico, além do acompanhamento com a Apae. "Na primeira consulta, a médica falou que não fecha o
diagnóstico para autismo antes dos três anos. Meu filho tinha dois anos e oito
meses, mas, na observação, ela falou que ele não possui características para o
autismo", comenta. Assim que o filho completou três anos, a mulher afirmou que
o encaminhou a uma pediatra na Unidade Básica de Saúde (UBS) para consulta de
rotina. (veja abaixo outros relatos). O menino passou por uma psicóloga depois que a família
suspeito de um possível toque nas partes íntimas. Ela recomendou que a mãe gravasse
um vídeo em que pergunta ao menino a respeito do órgão genital, relacionando ao
período que foi atendido pela fonoaudióloga. No vídeo enviado ao g1, a mãe pergunta: "onde a tia
pegava e colocava a mãozinha?". Logo o menino responde e aponta com o dedo
sob a fralda: "aqui". Após quatro consultas com a psicóloga, será enviado um
relatório ao delegado a fim de entender os motivos desta recusa e se estão
relacionados à conduta da fonoaudióloga. 'Eu confiava nela' Outra mãe ouvida pela reportagem contou que o filho, de nove
anos, era trancado em salas no consultório da fonoaudióloga. Ela descobriu o
ocorrido quando foi chamada à delegacia e viu a foto que mostra as mãos do
menino no vidro. Segundo esta mãe, o menino foi diagnosticado com autismo em
grau severo aos dois anos e meio. Desde então, o filho é acompanhado por essa
fonoaudióloga. Contudo, a mãe lembra que começou a perceber que o filho não
estava evoluindo no tratamento desde o final de 2020. Por isso, quando foi
chamada à delegacia, ela acreditava que se tratava da denúncia de falta de
atendimento, já que um boletim de ocorrência desse teor já havia sido
registrado. "Achava que eles iam me perguntar dessa falta de
atendimento, que eu também vinha percebendo, mas não. Eu descobri que meu filho
era trancado em salas do consultório. Não estava esperando. Eu confiava
nela", lembra. Ainda segundo esta mãe, o filho voltava para a casa com as
roupas urinadas e, algumas vezes, sem camiseta. No mesmo dia em que foi à
delegacia, a mãe recorda que parou de levar o menino às consultas. Agressão Uma terceira mãe entrou em contato com o g1 e explicou,
bastante emocionada, que o filho, de seis anos, teria sido agredido na boca
pela fonoaudióloga. Segundo ela conta, a criança levou um tapa por ter mordido
a profissional. O menino foi diagnosticado com autismo também em grau severo
e, desde os dois anos, é levado para o acompanhamento multidisciplinar. Há dois
anos, segundo a mulher, o filho também não demonstra evolução no tratamento. "É muito difícil, eu sei de onde o meu filho veio, sei
o que ele passou para chegar onde está. É uma criança que não sabe falar, que
não sabe se expressar. Ele é extremamente vulnerável. O tapa doeu muito mais em
mim. Desumano", lamenta.
No fim de maio deste ano, a criança parou de fazer o
acompanhamento nesta clínica particular com a justificativa do descaso no
atendimento. Com orientação de outras profissionais, a mãe afirma que o pequeno
já consegue, por exemplo, ficar sentado. g1, com foto: Reprodução/Facebook
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