03/02/2023
Desde 2021: Ofícios mostram que governo Bolsonaro foi alertado sobre os Yanomami, mas ignorou apelos
BOA VISTA, RR - Documentos obtidos pela Agência Brasil
confirmam que, ao menos desde 2021, o governo federal sabia que índios yanomami
estavam sofrendo com a falta de alimentos. Mesmo assim, deixou de atender a
pedidos da Defesa Civil de Roraima que, à época, manifestou a intenção de
colaborar na assistência às comunidades da Terra Indígena Yanomami, que é de
responsabilidade federal. “O governo estadual pediu o apoio federal para que
pudéssemos reforçar a ação humanitária em comunidades indígenas isoladas pelas
chuvas intensas de 2021 e também às da área yanomami”, contou à reportagem o
coordenador da Defesa Civil de Roraima, coronel Cleudiomar Alves Ferreira,
referindo-se ao pedido feito em junho de 2021, por meio de ofícios encaminhados
aos extintos ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos e
Desenvolvimento Regional (MDR) que estavam, à época, sob o comando de Damares
Alves e Rogério Marinho. Nos documentos a que a Agência Brasil teve acesso, o governo
estadual pede ao Poder Executivo federal 8 mil cestas básicas além das que
receberia para distribuir para famílias de cidades que decretaram situação de
emergência devido às consequências das chuvas “atípicas” que atingiram parte do
estado em 2021. Na ocasião, o governo estadual já tinha reconhecido a
emergência em nove cidades (Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Normandia,
Rorainópolis, São João da Baliza, São Luiz do Anauá e Uiramutã). Veja os ofícios
recebidos pelo governo de Roraima: Ofício de 14 de julho
(CLIQUE AQUI) Ofício de 23 julho
(CLIQUE AQUI) “Com isso, o Ministério do Desenvolvimento Regional, por
intermédio da Secretaria Nacional de Defesa Civil, nos mandou recursos
[financeiros] para adquirirmos cestas básicas e alugarmos as aeronaves que
usamos para levar mantimentos às comunidades isoladas”, acrescentou Ferreira. Ainda segundo o coordenador da Defesa Civil estadual, a
intenção era obter 8 mil cestas adicionais e entregá-las às comunidades
indígenas de várias localidades, incluindo as da terra yanomami onde,
estima-se, cerca de 40 mil índios da etnia vivem em área de difícil acesso.
Para atender às comunidades indígenas “atingidas pela grave situação
humanitária”, o governo estadual também pediu o apoio logístico das Forças Armadas. “O ministério [da Mulher, Família e dos Direitos Humanos]
respondeu que não tinha como nos ajudar. Informou que tinha direcionado nossos
pedidos ao Ministério da Defesa, à Funai [Fundação Nacional dos Povos
Indígenas, então vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública] e a
outros órgãos. Depois, nos disse que a fundação indígena atenderia aos índios
isolados de todo o estado [incluindo os yanomami], distribuindo cerca de 70 mil
cestas de alimentos a pouco mais de 11,6 mil famílias. Não sei dizer o que
aconteceu depois, mas avalio que se tivéssemos recebido o apoio solicitado, se
a ajuda humanitária tivesse chegado em caráter emergencial, teríamos conseguido
atender também aos yanomami, o que não conseguimos fazer devido, principalmente,
à falta de apoio logístico [de transporte]”, resumiu o coordenador da Defesa
Civil estadual. Garimpos Nos ofícios a que a Agência Brasil teve acesso e que podem
ser acessados na íntegra nesta matéria, o governo de Roraima e o Ministério da
Mulher, Família e dos Direitos Humanos se referem à “grave situação
humanitária” que as comunidades indígenas em geral enfrentavam e também à
“falta de alimentação e desnutrição infantil vivenciada pelos yanomami” já em
2021. Os problemas, no entanto, são mencionados como “decorrentes da alta
pluviometria”, ou seja, das fortes chuvas, que atingiram o estado naquele ano. Para organizações indígenas e órgãos públicos, como o
Ministério Público Federal (MPF), que há tempos denunciam a crise humanitária
no território yanomami, tanto os efeitos das chuvas, como os da pandemia da
covid-19, foram agravados pelas consequências nefastas da presença ilegal de
cerca de 40 mil garimpeiros no interior da terra indígena, a maior do país, com
quase 9,6 milhões de hectares. Cada hectare corresponde às medidas aproximadas
de um campo de futebol oficial. De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, a área
florestal destruída por garimpeiros no interior da reserva yanomami vem
crescendo exponencialmente, tendo saltado de 1.236 hectares devastados em 2018,
para os 5.053 hectares desmatados em dezembro de 2022, desestruturando o modo
de vida indígena. Segundo a organização não governamental (ONG) Instituto
Socioambiental (ISA), a crise humanitária que os yanomami enfrentam, com
consequências sanitárias, ambientais, socioculturais e econômicas, também é
reflexo da desestruturação da assistência à saúde indígena nos últimos cinco
anos. Segundo a atual gestão federal, ao menos 570 crianças yanomami morreram
por causas evitáveis nos últimos quatro anos. "É inequívoca a associação entre a devastação que a
mineração ilegal provoca e a propagação da malária, facilitada pela
multiplicação de invasores e pelas crateras com água parada, fruto da atividade
e propícias à proliferação de mosquitos transmissores da enfermidade",
destaca o ISA. Difamação Consultada pela reportagem, a ex-ministra da Mulher, Família
e dos Direitos Humanos e atual senadora, Damares Alves, afirmou que a pasta fez
exatamente o que lhe cabia fazer: pedir auxílio às instâncias do governo
federal responsáveis por prestar a ajuda solicitada pelo governo estadual. “Foram enviados inúmeros ofícios aos demais ministérios e as
respostas recebidas foram positivas quanto ao atendimento das demandas. Órgãos
como Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e Funai informaram ter
distribuído cestas básicas e realizado ações emergenciais de atendimento aos
indígenas”, sustenta a senadora na nota enviada por sua assessoria. A reportagem entrou em contato com a Funai na segunda-feira
(30), mas ainda não recebeu informações sobre o que se passou na gestão
anterior. “Nenhuma campanha difamatória, como a que tem sido realizada
desde o último mês, irá apagar todo o trabalho feito por toda uma vida pela
senadora em favor dos povos indígenas. Damares Alves é, efetivamente, uma
indigenista. E vai continuar trabalhando e dedicando seu mandato para que todos
eles tenham direito a uma vida digna e plena”, acrescentou a senadora, que já
tinha usado as redes sociais para assegurar que o governo Bolsonaro distribuiu
as cestas básicas necessárias diretamente aos yanomami. Também em nota, o governo de Roraima confirma que, após as
fortes chuvas de 2021, identificou a necessidade de apoio federal para socorrer
as populações atingidas e atribuiu a atual situação do povo yanomami à
“desassistência por parte do governo federal”. “Sempre estive muito atento aos problemas do estado e sei da
fragilidade que temos por ser uma unidade federativa pequena e ainda muito
dependente dos recursos vindos do governo federal. Por esse motivo, é regra em
nosso governo a atenção a tudo, o pedido de auxílio quando necessário, o
atendimento de todos os pedidos dentro das nossas possibilidades e a coerência
com as nossas ações”, afirmou o governador Antonio Denarium em resposta enviada
pela Secretaria Estadual de Comunicação na qual detalha uma série de ações
desenvolvidas nos últimos anos. “No caso específico dos povos indígenas, o governo estadual
sempre buscou atuar com alternativas de inclusão nas etnias onde essa inclusão
era permitida, mas dentro dos limites, respeito a cultura e aos hábitos de cada
povo”, acrescenta o governo roraimense, destacando que no caso da saúde, o
atendimento inicial é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde
Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, e, mesmo assim, em quatro
anos, 27.650 indígenas foram atendidos em um dos cinco hospitais públicos da
capital, Boa Vista. Denarium também comentou as críticas que recebeu em função
de recentes afirmações. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governador negou,
em entrevista, a gravidade da crise sanitária exposta com a divulgação de
imagens de adultos e crianças visivelmente subnutridos, muitos com as barrigas
inchadas, em um claro sinal de verminoses, e com as unidades de saúde de Boa
Vista lotadas de yanomamis transferidos às pressas para receber suporte médico
devido à malária, infecção respiratória aguda e outras doenças para as quais
não há remédios nos polos base. Além de mobilizar a opinião pública, o impacto
das imagens motivou o governo federal a declarar Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional para combater a crise sanitária e humanitária.
“Com relação às críticas feitas em veículos nacionais, o
governador se diz tranquilo, pois acredita que muita coisa foi tirada de
contexto. Esquecem que essa desassistência por parte do governo federal é que
causou essa situação dos povos yanomami”, aponta Denarium na nota enviada à
Agência Brasil. “Reafirmo ser contrário ao garimpo em área indígena e que não
quero ver indígenas ou não [indígenas] vivendo e passando por privações.
Principalmente, não quero soluções paliativas como as feitas até hoje. Precisamos,
juntos, unidos, governo do estado e governo federal, dar soluções definitivas
para todo e qualquer problema que aflige a nossa gente, sejam eles indígenas ou
não”. Alex Rodrigues/Fábio Massalli – Agência Brasil, com foto: Fernando Frazão
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