11/01/2021
Apresentador do SBT declaradamente bolsonarista, que desdenhava da pandemia e defendia a cloroquina, morre vítima da Covid-19
“Vem comigo, Minas Gerais!”. Com esse bordão, Stanley Gusman
abria seu programa diário na hora do almoço, um dos carros-chefe de audiência
da TV Alterosa, afiliada do SBT no Estado. Ao longo de 2020, o apresentador se
destacou não apenas por conduzir a atração sensacionalista e policialesca, mas
por se posicionar abertamente contra as medidas de isolamento social impostas
durante a pandemia. Na noite do último domingo, aos 49 anos, ele morreu por
complicações da covid-19, menos de um mês depois de fazer um desabafo crítico
ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que recomendou à população da
cidade que evitasse reuniões familiares no Natal. “Eu vou visitar meu pai, vou visitar minha mãe. Não vou
matá-los. Acho um desrespeito o senhor [prefeito] falar isso. Não mexa com a
minha família. Vou defender os meus pais e o meu país”, esbravejou Stanley.
Cinco dias após a manifestação, o comunicador começou a sentir os primeiros
sintomas da doença. Colegas de emissora que se comunicaram com Stanley antes da
internação relatam que ele confiava na recuperação por estar se tratando com
hidroxicloroquina. Em 4 de janeiro, sentiu falta de ar e foi internado na UTI
em estado grave. O hospital que o atendeu, na região metropolitana de BH,
informou que a morte do apresentador ocorreu por uma infecção secundária
decorrente do novo coronavírus. Desde o início da pandemia, Stanley Gusman assumiu a postura
negacionista de minimizar a gravidade da doença. Em junho, afirmou ao vivo no
programa Alterosa Alerta que não aceitaria que medissem sua temperatura na
porta de supermercados e estabelecimentos comerciais, alegando que um estudo
teria determinado que o termômetro infravermelho causaria danos ao cérebro. O
estudo, na verdade, se tratava de uma corrente falsa de WhatsApp, rechaçada até
mesmo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Vizinhos do
apresentador contam que, em várias oportunidades, o avistaram na rua sem
máscara de proteção, que ele chegou a ironizar em alguns programas, assim como
a campanha “Fique em casa”. Eu não vou matar meus pais. Não tem ninguém nesse mundo que
me impeça de olhar nos olhos dos meus pais e dizer a eles: Eu amo vcs! Vou
buscar um diploma que meu herói (pai) guarda na parede da sala da nossa
inviolável residência #Dia22VaiSerGigante e ninguém vai me impedir. Bolsonarista convicto, a ponto de exibir fotos com o
presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais, Stanley criticava prefeitos e
governadores que decretavam medidas restritivas para conter o avanço do vírus.
Recentemente, havia incorporado a seu repertório o discurso antivacina
difundido pela ala mais radical de seguidores do presidente. Antes de adoecer,
o apresentador participou de uma live com o gerente de jornalismo da TV
Alterosa, Ricardo Carlini, também bolsonarista, em que recomendava o
“tratamento preventivo” contra a covid-19, apesar do método não ter comprovação
científica. Na ocasião, a dupla pregou que as mortes pela doença estariam sendo
“manipuladas e forjadas pela grande mídia”. Para defender o Governo Bolsonaro,
Stanley ainda afirmou que o Papa Francisco seria o mentor do Foro de São Paulo
e que “índios multimilionários colocam fogo nas pastagens do Pantanal”. Stanley Gusman era alvo de uma ação civil pública do
Ministério Público Federal (MPF), que pedia 200.000 reais como reparação por
crime de racismo cometido em 2019 pelo apresentador. No programa, ao ironizar
dados do Ibope e o presidente da instituição, Carlos Augusto Montenegro, ele
fez uma piada de cunho racista: “O nome do cara é Montenegro. Se fosse do bem,
ele se chamaria Montebranco”. O repórter Rafael Martins, que dividia a
transmissão com Stanley, pediu demissão após o episódio. O apresentador, por sua vez, leu um pedido de desculpas no
dia seguinte ao comentário. “Eu preciso me manifestar sobre o erro que cometi
ao comentar o resultado da audiência no início do programa de ontem. Peço
humildemente desculpas a quem eu tenha ofendido. Estou extremamente
constrangido”, disse. Porém, nos bastidores, Stanley afirmava a colegas que
havia sido vítima da patrulha do politicamente correto, a quem se referia como
“mimizentos”. A TV Alterosa, que também se tornou ré na ação civil pública do
MPF, optou por não punir o apresentador pela piada racista. Nesta segunda-feira, companheiros de emissora se emocionaram
ao homenagear Stanley Gusman. “A dor que sentimos é como se tivéssemos perdido
alguém da família”, disse, com olhos marejados, Leopoldo Siqueira, apresentador
do Alterosa Esporte, que antecede a atração comandada por Stanley. O programa
se viu obrigado a alterar protocolos de segurança após o diagnóstico de
covid-19, instituindo home office e rodízio de comentaristas no estúdio. O Alterosa Alerta desta segunda, excepcionalmente
apresentado por Siqueira, foi dedicado a homenagens a Stanley. “Seu jeito e seu
estilo de apresentar deixarão saudades em toda mineirada”, dizia a abertura do
programa. “Stanley se junta aos trágicos números dessa pandemia, mas os ideais
dele não serão esquecidos”, expressou Geraldo Teixeira da Costa, diretor-geral
da TV Alterosa.
Stanley deixa esposa e um filho. Nascido em Eugenópolis, na
Zona da Mata mineira, ele formou-se em direito antes de iniciar a carreira na televisão.
Dizia se orgulhar, além do Flamengo, seu time do coração, de ter pai e irmão
sargentos da Polícia Militar. Em 2015, quando ainda trabalhava na Band Minas,
recebeu o título de cidadão honorário de Belo Horizonte. “A inquietude faz
parte do ser mineiro. É essa inquietude que faz com que a gente respire, tenha
esperança e fé em Deus”, discursou Stanley ao receber a honraria. El País
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