17/03/2021
Com aval de Bolsonaro, Câmara vota para derrubar veto e anular dívida de igrejas
BRASÍLIA - Com aval do presidente Jair Bolsonaro, deputados
federais rejeitaram um veto do próprio chefe do Planalto para anular dívidas
tributárias de igrejas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela
Receita Federal. Agora, a votação depende do Senado, o que deve ocorrer ainda
nesta quarta-feira, 17. Conforme o Estadão/Broadcast revelou em setembro, o valor do
“perdão” seria de quase R$ 1 bilhão. Documento enviado pela liderança do
governo aos parlamentares nesta semana estima a renúncia tributária de R$ 1,4
bilhão nos próximos quatro anos. De estoque acumulado em anos anteriores,
deixariam de ser cobrados R$ 221,94 milhões. A proposta alvo do veto exclui as igrejas do rol de
contribuintes da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), ampliando o
alcance da imunidade prevista na Constituição. Além disso, perdoa as dívidas
acumuladas com esse tributo no passado. Bolsonaro vetou a medida com o argumento de que o
dispositivo foi aprovado sem compensação fiscal e a sanção poderia ser classificada
como crime de responsabilidade - dando margem para um processo de impeachment.
Mas, por outro lado, se manifestou favorável à não tributação de templos e
estimulou a derrubada do próprio veto. Como mostrou o Estadão/Broadcast, na época do veto, em
reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário especial da
Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, Bolsonaro demonstrou receio em
cometer crime de responsabilidade, embora tenha dito que pessoalmente
concordava com o perdão e quisesse sancionar a medida. Imunidade
constitucional contra a cobrança de impostos As igrejas têm imunidade constitucional contra a cobrança de
impostos, mas a proteção não alcança as contribuições, como a CSLL (sobre o
lucro líquido) e a previdenciária. Nos últimos anos, a Receita identificou
manobras dos templos para distribuir lucros e remuneração variável de acordo
com o número de fiéis sem o devido pagamento desses tributos – ou seja,
burlando as normas tributárias. A medida aprovada pelo Congresso Nacional pretendia, por
meio de uma lei ordinária, estender a imunidade constitucional das igrejas à
cobrança da CSLL e ainda anular dívidas passadas. Outro dispositivo almejava
anistiar multas e outras cobranças aplicadas sobre a prebenda, como é chamada a
remuneração dos pastores e líderes do ministério religioso. Ambos os artigos foram propostos pelo deputado David Soares
(DEM-SP), filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional
da Graça de Deus, que tem milhões em dívidas com a União. Bolsonaro vetou o primeiro dispositivo, que trata da CSLL,
para afastar qualquer eventual violação à Constituição. Mas o presidente
sancionou o artigo sobre a prebenda, de caráter mais interpretativo. Após estimativas iniciais apontarem o risco de desfalque de
R$ 1 bilhão aos cofres da União caso os dois artigos fossem sancionados,
cálculos atualizados da área econômica mostraram um prejuízo potencial de até
R$ 2,9 bilhões. Com a sanção do artigo sobre a prebenda, o risco seria de R$
1,1 bilhão. Mas a avaliação na área econômica é que o dispositivo foi mal
redigido e dá margem para que a Receita Federal siga na briga pela cobrança dos
débitos. Isso porque o projeto só interpretou uma norma vigente, que, segundo
esses técnicos, já era seguida à risca pelo Fisco. A percepção na área econômica é que os templos usarão a
norma sancionada para tentar reabrir a discussão jurídica, que hoje já está na
fase de execução de bens dessas igrejas, para tentar pleitear a anulação, mas
não necessariamente terão sucesso na disputa. Para evitar essa judicialização, a equipe econômica havia
recomendado veto total às medidas, mas precisou ir para a mesa de negociação
diante do desejo do Palácio do Planalto em fazer um aceno à bancada evangélica,
que é um importante pilar de sustentação do governo. Bolsonaro foi eleito com o apoio de diversas lideranças
evangélicas. Embora se declare católico, o presidente tem uma relação próxima a
pastores e igrejas evangélicas. A primeira-dama Michelle Bolsonaro é
frequentadora da Igreja Atitude, no Rio. Três integrantes do primeiro escalão do governo são
pastores: a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e os
ministros André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Milton Ribeiro
(Educação).
A bancada evangélica tem se articulado para incluir, na
reforma tributária, a ampliação do alcance de sua imunidade tributária para
qualquer cobrança incidente sobre propriedade, renda, bens, serviços, insumos,
obras de arte e até operações financeiras (como remessas ao exterior). A
avaliação de tributaristas, no entanto, é que a medida não daria às igrejas
salvo-conduto para continuar driblando a fiscalização para distribuir lucros
disfarçados de renda isenta. Estadão
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