26/03/2021
MP vai investigar médica que receitou nebulização de hidroxicloroquina a 3 pacientes que foram a óbito
CAMACUÃ, RS - O Ministério Público do Rio Grande do Sul vai
investigar a conduta da médica Eliane Scherer, que receitou nebulização com
hidroxicloroquina para pacientes do Hospital Nossa Senhora Aparecida, da cidade
de Camaquã, na região sul do Estado. Três pacientes da covid-19 que tiveram
este tratamento morreram entre segunda, 22, e quarta-feira, 24. Esse remédio
tem ineficácia comprovada cientificamente contra o novo coronavírus. A investigação foi informada pela promotora Promotora de
Justiça de Camaquã, Fabiane Rios. O MP vai averiguar se o procedimento de
nebulização com hidroxicloroquina está dentro dos protocolos corretos e da
ética profissional. Em conjunto com a Polícia Civil, a promotoria fará oitiva
com os envolvidos e vai cruzar com as orientações do Ministério da Saúde. “Em
constatada eventual falta, esta será encaminhada na esfera cível e
administrativa. Se for provada a imperícia da médica ao adotar tal
procedimento, causando o óbito dos pacientes, sua conduta será apurada na
esfera criminal”. Eliane ficou conhecida em todo Brasil após o ministro Onyx
Lorenzoni divulgar em sua conta no Twitter vídeo no qual ela administra
nebulização com hidroxicloroquina. No último dia 19, o presidente Jair
Bolsonaro também entrou ao vivo em uma rádio de Camaquã para sair em defesa do
tratamento por meio da nebulização de hidroxicloroquina. Além de utilizar um medicamento amplamente rejeitado pela
comunidade científica no tratamento da covid, a médica o fez de uma forma pouco
usual. Segundo o diretor-clínico do Hospital Nossa Senhora Aparecida, Tiago
Bonilha, a nebulização em pacientes covid é altamente contra indicada, pois
aumenta a produção de aerossóis que podem transmitir o vírus. Especialistas
consultados pelo Estadão apontam que a prática pode trazer ainda mais riscos de
efeitos colaterais para os pacientes do que a administração oral do remédio. Nesta
semana, o Estadão também mostrou que pacientes foram parar na fila do
transplante de fígado após usar o kit covid, com remédios sem eficácia contra a
doença. Eliane era integrante da escala de plantão do hospital,
contratada por uma empresa terceirizada. Conforme Bonilha, ela já tinha um
histórico de “incidentes de conduta”, mas nada que a levasse a ser demitida.
“No dia que houve o primeiro episódio da terapêutica dela no pronto-socorro,
foi solicitado o desligamento dela.” Bonilha diz que todos os problemas
anteriores não seriam passíveis de demissão. Ele descreve o perfil de uma
médica que criava dificuldades de acesso, na liberação de ambulâncias e macas e
até mesmo, para atender as exigências de paramentação no setor de emergência. Toda essa dificuldade, porém, contrastava com um perfil bem
visto na cidade. Tão logo foi feito o pedido de demissão, pacientes
reclamaram.”A partir de então, iniciou toda uma campanha para que ela fosse
reintegrada a essa escala porque ela salvava vidas”, conta Bonilha, mostrando
que o discurso em defesa da cloroquina havia surtido efeito. Pacientes entraram na
Justiça para ter acesso à terapia Os pacientes chegaram a entrar na na Justiça exigindo a
continuidade da nebulização com hidroxicloroquina. O pedido foi acatado.
Aproximadamente cinco pacientes tiveram o tratamento de nebulização com
cloroquina. Destes, três morreram nesta semana. A médica teria se baseado na experiência de um único médico,
que não é pesquisador a respeito do tratamento. “Em entrevista, ela chegou a
falar quem é o médico que aplicou esse método. Mas o que acontece é que nunca
vi nenhuma instituição séria fazer uso dessa medicação. Na minha opinião, essa
prescrição transcende o caráter off label da categoria médica, tem uma série de
protocolos de segurança que, a meu ver, fazem com que não seja uma terapia a
ser aplicada”. Bonilha conta que Eliane não seguiu sequer os protocolos
para informar a adoção do tratamento pouco convencional. “Fato que gerou uma
quebra de harmonia entre ela e a equipe assistencial foi que na primeira vez
que ela quis usar essa terapia, ela não formalizou essa prescrição. Ela
orientou que fosse feita e o enfermeiro e o técnico me ligaram. A primeira
coisa foi mandar ela prescrever no sistema formalmente o que ela quer que
faça.” “O jeito com que a terapia foi apresentada, pareceu que
aquilo fosse a salvação da pátria, a chance de cura dos pacientes graves”,
conta Bonilha. Ao Estadão esta semana, o presidente do Conselho Federal de
Medicina, Mauro Ribeiro, negou rever o parecer que libera médicos a
prescreverem cloroquina, mas admitiu investigar médicos que tratarem kit covid
como cura. A proposta de Eliane era que estes pacientes seguissem
internados no hospital, e ela então fosse até o local administrar o remédio por
meio da nebulização. A direção do hospital então pediu que a transferência dos
pacientes dos pacientes do tratamento convencional contra a covid para a
experiência da médica fosse formalizada judicialmente, o que aconteceu e ela
seguiu aplicando a terapia. Em entrevista a uma rádio local, Eliane chegou a falar que
se “emocionava” ao ver os pacientes recuperando o ar. “A impressão que tenho é
que de repente essa sensação de alívio que os pacientes percebem tão logo fazem
a terapia pode estar relacionada ao simples aumento da pressão na via aérea ou
melhor fluxo de oxigênio causada pela nebulização. Se fosse feita com soro,
poderia ter esse mesmo efeito”, explica Bonilha ressaltando que esse
procedimento não está prescrito para atender pacientes covid.
A reportagem do Estadão procurou a médica Eliane Scherer
para explicar sua versão dos fatos, mas ela afirmou que não pretende mais falar
com a imprensa. Estadão
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