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11/12/2025
Intercept Brasil: candidatura de Flávio é “fumaça” para esconder real intenção da família Bolsonaro
BRASÍLIA, DF - Está ficando cada vez mais óbvio. A
candidatura do senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, à
Presidência, anunciada na sexta-feira, 5, e relativizada pelo próprio senador
48 horas depois, é uma manobra de Jair Bolsonaro para reorganizar seu campo
político. Com apenas 8% dos eleitores dizendo que o primogênito
deveria ser o candidato apoiado pelo pai, segundo o Datafolha, Flávio não
aparece como nome competitivo nem dentro da base bolsonarista. Mas, então, o
que está por trás da jogada da família Bolsonaro? A declaração de que pode desistir “por um preço” expôs o
caráter instrumental da candidatura de Flávio. Desde então, análises vêm se
avolumando, e a edição de hoje de Cartas Marcadas reúne as que considera mais
pertinentes — não por especulação, mas por apontarem movimentos reais da
extrema direita. Há uma leitura cada vez mais compartilhada por analistas e
políticos: Flávio é apenas a fumaça. Quem pode incendiar a eleição tem nome,
força e base própria: Michelle Bolsonaro, a vice-presidente ideal em uma
hipotética candidatura de Tarcísio de Freitas. Vamos pensar juntos? O plano Michelle Entre as várias análises que pipocaram nos últimos dias, a
do historiador Odilon Caldeira Neto, especialista em extrema direita, vale
atenção. Ele aponta que a disputa relevante neste momento não é pela cabeça de
chapa, mas pela vice-presidência numa possível candidatura do governador
paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos. A análise é plausível e tem circulado em Brasília. De acordo
com ela, a luta da família Bolsonaro, agora, é para garantir o próprio
sobrenome na chapa presidencial, em uma candidatura à vice. Isso forçaria que
Tarcísio mantivesse vivo o compromisso de, caso eleito, atuar para tirar
Bolsonaro da cadeia. A agenda anunciada pelo próprio senador reforça essa ideia:
Flávio não disse que vai rodar o Brasil ou convocar comícios. Disse que
pretende se reunir com os presidentes do União Brasil (Antonio Rueda), Progressistas
(Ciro Nogueira) e PL (Valdemar Costa Neto). Os integrantes do Centrão ouvidos pela imprensa indicaram
que União Brasil, PP, Republicanos e PSD tenderiam a não embarcar na
candidatura de Flávio, cogitando inclusive a neutralidade. O mercado financeiro, por isso, reagiu mal à novidade. No
dia do anúncio, o Ibovespa registrou a maior queda diária desde fevereiro de
2021, recuando 4,31%, enquanto o dólar teve a maior alta desde outubro, subindo
2,3% e chegando a R$ 5,43. Os porta-vozes do mercado nos ajudam a entender essa reação:
o economista Yihao Lin, da Genial Investimentos, afirmou a clientes que a
reação negativa se explica pela percepção de que ele concentra a rejeição do
pai sem construir uma alternativa viável. Ou seja, em portugês claro: Flávio
perderia de Lula. Mas, após a desastrosa coletiva de Flávio no domingo, 6,
muita gente começa a perceber que o movimento de Jair produz outro efeito:
colocar o primogênito na posição de fiador das negociações da família na
corrida eleitoral. E com uma possibilidade evidente: a de que ele retire a
própria candidatura, indicando Michelle como vice de Tarcísio. O resultado de mais uma rodada da pesquisa Datafolha,
divulgada horas depois do anúncio da candidatura, dá sentido à manobra. Segundo
os dados, apenas 8% dos brasileiros acham que Jair deveria apoiar Flávio; 22%
preferem Michelle, 20% citam Tarcísio. É justamente nesse ponto que entram as leituras de Odilon
Caldeira Neto e do antropólogo Orlando Calheiros, que deslocam o foco da
discussão de Flávio para Michelle. Odilon destaca que Michelle é a figura mais
forte para ocupar o espaço simbólico e eleitoral deixado por Jair, com vantagem
em segmentos-chave como evangélicos e mulheres. Orlando Calheiros insiste que é um erro subestimar Michelle
sob o argumento de que “a direita nunca aceitaria ser liderada por uma mulher”.
Ele lembra que lideranças femininas de extrema direita já se consolidaram em
países tão ou mais machistas que o Brasil, citando Itália e Japão, e concorda
que Michelle é hoje “o nome mais perigoso”. Segundo ele, a rede que ela vem construindo desafia
inclusive os limites das igrejas evangélicas, com articulação própria, viagens
constantes e atuação que, em muitos momentos, lhe deu mais visibilidade do que
o próprio marido nesse meio. Orlando recorda também que Michelle foi uma das principais
articuladoras da indicação e aprovação de André Mendonça ao STF e que, com Jair
preso, deixou de apenas operar em favor dos aliados do ex-presidente para
apoiar candidaturas mais alinhadas à sua própria agenda — inclusive quando
essas escolhas contrariam interesses do PL e de membros da família, como nos
casos do Ceará e de Santa Catarina. Para o antropólogo, Michelle está montando um grupo de
candidatas e quadros conservadores que tenta romper a rejeição do bolsonarismo
entre mulheres, apropriando-se de conceitos como “empoderamento” em chave
moralista, fenômeno já descrito por pesquisas acadêmicas sobre mulheres de
extrema direita. Outro ponto pertinente é uma comparação feita por Odilon
Caldeira Neto com a renovação da extrema direita francesa. Assim como Marine Le
Pen reformulou o discurso e a estética do antigo Front National para torná-lo
mais palatável, sem abandonar o núcleo duro da agenda, Michelle tem condições
de redesenhar a imagem do bolsonarismo. A ex-primeira-dama apresenta um rosto menos associado ao
golpismo e à militarização dos últimos anos, dialogando com eleitores que
rejeitam Jair, mas mantém a mesma base religiosa e autoritária. Nesse quadro, a candidatura de Flávio cumpre função
delimitada: manter o sobrenome Bolsonaro no centro da pauta e pressionar
Tarcísio e Valdemar pela defesa da anistia. Nada indica que Jair acredite de fato na viabilidade do
filho como candidato capaz de derrotar Lula. Pelo contrário: tudo aponta para
essa operação de cobertura, em que o primogênito faz o papel de escudo enquanto
o grupo decide onde e como ancorar o futuro do bolsonarismo. E, nesse futuro que está sendo redesenhado, o nome que
realmente cresce, com base própria, articulação e ambição, é Michelle.
Intercept Brasil, com foto: Marcos Oliveifa/Agência Senado
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